Cerimônia de cremação em Bali

Acordei de manhã em Ubud, região montanhosa de Bali, Carlos, meu novo amigo australiano, vizinho de quarto na pousada familiar Sudana, convidou-me para uma cerimônia de cremação no bairro de seu amigo balinês Gede. Fiquei um pouco reticente. Queria escrever. Queria apenas um dia tranquilo. Não queria sentir novas fortes emoções.

Desde que me tornei uma “seeker” (buscadora da verdade), a vida, o Universo tem me levado até as respostas. As situações vêm ao meu encontro para eu ver a mim mesma, aspectos da minha antiga personalidade ou fatos da minha história de vida, pessoal ou familiar. Ainda que eu não queira naquele preciso momento, não esteja preparada, não há condescendência, não sou poupada. Desde que me tornei uma buscadora – de mim mesma, da minha verdade – estou mais sensitiva, intuitiva. Viajar, sair do ambiente familiar e mergulhar no desconhecido, propicia este deslocamento de você mesma, de nossas sólidas personalidades. Sua alma pode voar, explorar terrenos desconhecidos, inexplorados.

Desde setembro de 2009, quando iniciei esta jornada no Caminho de Santiago, sinto meu sexto sentido e anjos protetores cada vez mais fortes, falando por mim, a me guiar. Não sei quem me conduz, se sou eu com o meu forte desejo pela verdade… atraio as respostas…?… ou se eles, os anjos, me levando até elas.

Gede, eu e Carlos, vestidos com o Sarong, estilo balinês, para irmos à cerimônia. Sinal de respeito à cultura local

A cerimônia de cremação em Bali é pública. Uma procissão pelas ruas da comunidade. O carro da vaca sagrada abre a procissão. A vaca é conduzida pelo neto, que vem abrindo os caminhos, espantando maus espíritos, a fim de levar a alma da avó, que fechou este ciclo da roda da vida, até os bons espíritos. Atrás, seguem mulheres com oferendas. Em seguida, homens tocando tambores, pratos musicais e o gongo. Por último, o segundo carro traz o corpo da avó que será cremado no final da procissão. Sua foto vem exibida para que a comunidade possa ver quem desencarnou.

O carro da vaca, carregado por dezenas de homens, voluntários da comunidade, faz sua performance a cada esquina, espantando os maus espíritos, limpando o caminho para a alma da avó desencarnar em paz.

A comunidade acompanha a procissão ao som dos tambores. Música que concede uma leveza à tristeza da perda de um ente querido.

No final, o corpo da avó é colocado sobre a vaca sagrada no altar de cremação. Momento tenso. A família chora. As mulheres com as oferendas fazem uma roda em torno do altar. Caminham. Cantam. Rezam.

A tocha é acesa. Luz. A avó é cremada. Desencarne em paz!

Os balineses, em sua maioria hinduístas, acreditam na roda da vida, na lei do carma e reencarnação.

Vaca sagrada.

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Representação dos maus espíritos

Avó sendo salva pela vaca sagrada dos maus espíritos

Não assisti até o final a cremação. Meus amigos não quiseram ficar. Eu também não pedi para ficar.

A cerimônia de cremação mexeu comigo. Lembrei-me da minha avó, Dona Nilza, que desencarnou em janeiro deste ano. Os tambores da cerimônia e o corpo cremado remeteram-me ao desejo da minha avó que não foi realizado. Ela queria ser cremada. E que tocassem a sua música. Não deu para segurar. Há quase um ano de sua morte, as lágrimas contidas, escorreram copiosamente dos meus olhos.

Minha avó, Dona Nilza, minha heroína, nunca tirou o sorriso do rosto apesar de tanta dor. Poeta da vida. Sempre fez alegria de sua tristeza. Sua música preferida “Deixe a vida me levar”, de Zeca Pagodinho, queria que fosse tocada no seu funeral. Não queria ninguém chorando. Queria todos celebrando a passagem da sua vida para o mundo celestial. Queria ser cremada e suas cinzas fossem jogadas ao mar. Um ritual de libertação.

Minha avó queria sua alma diluída nas águas do mar, indo no fluxo da corrente da vida (“go with the flow”). A própria história da sua vida.

Sua música não foi tocada. Seu corpo não foi cremado. Compreendo. Neste momento difícil, tanta burocracia para resolver, a dor apertando no peito, difícil ousar tanto.

Dona Nilza, queria fazer alegria da sua própria morte. Minha avó de vanguarda, lúdica poeta da vida!

Sua música não foi tocada, mas a li no funeral, bem alto, para que ela ouvisse lá no mundo da paz celestial.

Trouxe a letra comigo, após minha rápida passagem pelo Brasil. Queria que minha avó estivesse comigo. Sempre calorosa, a única a me perguntar: “Você está feliz? Se sim, estou feliz por você. É isto que eu quero: que você seja feliz!”.

Em homenagem à minha avó, Dona Nilza, escrevo aqui a sua música. Precisei ir tão longe, ir à Índia, para aprender a sua sabedoria de vida: go with the flow, aceitação, humildade, resiliência e alegria.

Minha avó nunca desistiu de ser feliz. Sempre com um largo sorriso no rosto. Viva Dona Nilza! Minha heroína!

Deixa a Vida me Levar

Zeca Pagodinho

Eu já passei

por quase tudo nessa vida

Em matéria de guarida

espero ainda a minha vez

Confesso que sou

de origem pobre

mas meu coração é nobre

Foi assim que Deus me fez…

E deixa a vida me levar

Vida leva eu!

Deixa a vida me levar

Vida leva eu!

Sou feliz e agradeço

por tudo o que Deus me deu…

Só posso levantar

as mãos pro céu

Agradecer e ser fiel

ao destino que Deus me deu…

Se não tenho tudo que preciso

com o que tenho, vivo

de mansinho lá vou eu…

Se a coisa não sai

do jeito que eu quero

também não me desespero

O negócio é deixar rolar

e aos trancos e barrancos

lá vou eu!

E sou feliz e agradeço

por tudo que Deus me deu…

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