Um dia em Khayelitsha Township

Depois da calorosa recepção das crianças em Langa township, seguimos nossa visita. Nossa próxima parada foi num shopping, o qual Monica fez questão de nos apresentar, motivo de orgulho, símbolo de progresso, a promessa de um futuro promissor. Em suas paredes, no lado externo do shopping, uma mensagem de esperança:

“O mundo é o meu playground, eu não estou mais cerceado por limites humanos. Minha terra é minha tela. Meus passos são a pintura, na qual em cada passo eu estou aprendendo.  Eu sou um artista capturando a verdade da vida, com o desejo de construir a mudança”.

Hope.

Voltando para o carro, Hope, filha de Monica, me perguntou: “No Brasil, também tem casas como estas daqui?”. Eu disse: “Sim”. Ela continuou: “E tem pessoas negras também como aqui?”. Eu disse: “Sim. Minha bizavó, por exemplo, era negra”. Hope fez um olhar de surpresa, por eu ser “branca”. Eu expliquei: “No Brasil, nós somos miscigenados”. Hope ficou contente com a minha resposta. Os coloured (pessoas de pele morena) representam cerca de 9% da população sul-africana. Os negros somam cerca de 80%. Os brancos,  9%. Os indianos e asiáticos, 2%. Miscigenação é algo incomum na África do Sul.

Monica nos convidou para conhecer sua casa. Quando chegamos, havia um aglomerado de pessoas na rua, estava sendo encenado um teatro sobre abusos sexuais. A menina chorava, não queria manter relações sexuais com aquele homem. Os atores usavam uma camiseta de HIV positivo. Segundo dados da Aids Foundation South Africa, 17,5 % da população está infectada pelo vírus, sendo as mulheres o maior grupo infectado. A África do Sul está entre os 5 países do mundo com as maiores taxas de HIV e é o primeiro país do mundo com o maior número de pessoas infectadas, cerca de 5,3 milhões. A epidemia da AIDS na África do Sul é a mais severa do mundo.

Chovia muito. E logo entramos na casa de Monica. A visita foi rápida. A casa ainda estava em construção. Monica mora em uma das casas de alvenaria que está sendo construída pelo governo. Antes morava numa casa de latão e madeira.

Monica.

Em seguida, Monica nos levou para conhecer a curandeira, chamado na cultural local de Sangoma. A Sangoma pratica medicina natural à base de ervas e, também, dá aconselhamentos. A prática é passada de geração para geração. O ensinamento dura anos até a jovem aprendiz tornar-se Sangoma. Chegando lá, a Sangoma local ensinava seus segredos de cura a um jovem rapaz. Uma exceção, pois na tradição os ensinamentos são passados para outra mulher, que se torna a curandeira.

Acabamos participando de um ritual. As mulheres precisam usar saia para poder participar. Enrolaram uma toalha em mim e eu dancei junto com as mulheres. Antes de irmos embora, eu reclamei da dor no meu joelho direito, fruto da queda no brinquedo em Langa. A Sangoma ofereceu-se para me curar. Eu aceitei sua hospitalidade e sentei no meio da roda. Ela acendeu um prato com ervas e, entoando músicas ancestrais, massageou o meu joelho. Voltei para Cidade do Cabo na expectativa do alívio da dor.

Sangoma.

Meu amigo espanhol, o jornalista Javier Bandoli, escreveu  a matéria “Miséria e a esperança no gueto em Khayelitsa” sobre  a nossa visita em Langa, Guguletu e Khayelitsha, para o jornal El Mundo. O título da matéria já traduz nosso sentimento ao visitar a casa daquela gente…

Meu joelho.

Rua da Monica. Casas de alvenaria construídas pelo governo.

Esteban, Javier, Carles, Cíntia e eu.

Mais fotos de Khayelitsa:

http://www.flickr.com/photos/michellegloria/sets/72157623736610137/

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