Meu Bairro
Emocionante voltar à Granja Guarani depois de cinco anos da minha pesquisa de mestrado, de 2006 a 2008, com adolescentes das comunidades do bairro.
Após dois anos fora do Brasil, perdi o contato com os adolescentes. O jornalista Cesar Rodrigues, ex-morador da Granja Guarani, me encontrou pela Internet e me contou das boas novas. A Associação dos Moradores e Amigos da Granja Guarani (AMAGG) cresceu e se fortaleceu, obtendo reconhecimento, em 2013, como associação de utilidade pública pelo Legislativo local. E me informou, também, que fui a pesquisadora pioneira, tendo sido realizadas outras pesquisas científicas, inclusive de universidade do exterior. Notícias que me deixaram muito contente, em saber dos avanços do bairro rumo à inclusão cidadã.
Minha relação com a Granja Guarani começou com a mudança da minha mãe, em 2003, do bairro Inhaúma, no Rio de Janeiro, para o bairro Comari, em Teresópolis, vizinho às comunidades populares da Granja Guarani.
Passava ali de carro, sempre olhava o pulsar da comunidade e pensava em um dia desenvolver um trabalho social com adolescentes. Fase de grandes mudanças e desafios na vida de um ser humano. A formação da identidade. A descoberta de si. O preâmbulo da vida adulta. Escolhas profissionais. Múltiplas possibilidades e caminhos a seguir. Inseguranças sobre o futuro.
Como fotógrafa, minha contribuição foi a partir do aparato da máquina fotográfica permitir que os adolescentes fotografassem si mesmos e o seu bairro – espaço de construção de subjetividades, de sentimentos de pertencimento e adequação-, desvelando aspectos positivos e também negativos da vida nas comunidades populares, no contexto da sociedade brasileira.
O cerne da pesquisa foi a exclusão simbólica de moradores de bairros populares, em razão do preconceito social, e seus reflexos na autoimagem e na autoestima dos adolescentes. O objetivo da pesquisa foi ressaltar os aspectos positivos da vida comunitária de modo a enfatizá-los para os próprios adolescentes participantes da pesquisa, para os moradores, tecendo, registrando a história visual, construindo o autorretrato do bairro. Apresentá-los para os não-moradores, para a sociedade local, de modo a desvelar a singularidade do bairro, afastando a névoa dos “pré-conceitos” – intrínsecos ao desconhecido.
Sinto-me à vontade para falar sobre esse tema “preconceito social”, por também já ter estado neste lugar, nessa posição de adolescente moradora de bairro excluído simbolicamente. Sou nascida e criada em Inhaúma, no subúrbio do Rio de Janeiro. Muito comum ouvir a palavra “suburbana” em tom depreciativo, até os dias atuais.
Posso dizer, na primeira pessoa da narrativa, que o preconceito fere a alma e, por consequência, a percepção de nós mesmos. E na adolescência, esta violência simbólica-psicológica tem um peso especial, porque é um momento delicado da vida. Precisamos ser confiantes, determinados, quase obstinados para superar os obstáculos e adversidades, principalmente, os adolescentes de camadas sociais desfavorecidas. É preciso muita autoconfiança. É preciso muita autoestima. Determinação. Obstinação. Superação.
Por isso, a escolha em desenvolver um trabalho de inclusão visual com adolescentes de bairros populares, em posição de desvantagem, material e simbólica, em relação aos adolescentes de camadas altas da sociedade brasileira. Uma forma de contribuir para enfatizar para eles mesmos os aspectos positivos de suas vidas, construindo e consolidando esse olhar positivo, que se materializa no suporte do papel fotográfico, nos blogs e redes sociais. Ao meu ver, fundamental para a autoestima dos adolescentes, para a autoimagem dos seus moradores. Fundamental para retirar o véu do preconceito e desconhecimento que separam os moradores de bairros populares e de bairros abastados, em prol de um mundo com respeito às diferenças.
Principalmente, para os protagonistas deste espaço social contarem as suas histórias a partir dos seus olhares.
E construir em seus imaginários sentimentos de mobilidade e inclusão social. Inclusão cidadã. De exercício de Cidadania.
Fenomenal este trabalho, de singularidade própria daqueles que realmente conhecem o cotidiano dos que os hipócritas de plantão teimam em marginalizar da sociedade. Olhar simples, sensível e real de crianças de famílias trabalhadoras e tão cidadãos quanto qualquer outra. Parabéns Michelle!
Parabens pela bela iniciativa Michele ,que sirva de exemplo para nossos Governantes !!
Michelle, gostei muito da análise que você fez sobre os efeitos do preconceito que existe com as pessoas que vem do subúrbio e de comunidades carentes.
Bjs,
Liane
Obrigada Liane. Este preconceito de morar no subúrbio sempre me acompanha, até hoje, mesmo morando na Zona Sul do Rio de Janeiro. Raízes serão sempre nossas raízes. E qualquer espécie de preconceito atenta contra a dignidade humana. Se os moradores da Zona Sul soubessem o quanto é ofensiva a fala “ah! esses suburbanos que vêm invadir a minha praia!“, em tom depreciativo. O local de moradia se sobrepujando ao humano… Inúmeras são as palavras e expressões em tom pejorativo (“Suburbano“, “Favelado” etc.) impregnadas de preconceito, faladas para oprimir ainda mais as classes economicamente desfavorecidas. A praça é pública! E a praia também! Que bom! Respeito e lazer são direitos fundamentais de todos os cidadãos brasileiros. E o nosso bairro é a nossa raiz mais profunda. A nossa fundação. Além do que, respeito é bom e eu gosto!