Aventura no litoral: Lençóis Maranhenses

Um charmoso roteiro de jipe entre o Ceará e o Maranhão passa por algumas das mais belas e desertas praias do Brasil

Michelle Glória

Matéria publicada no Jornal do Brasil de 11/set/ 2005

Quem não gosta de se banhar em águas cristalinas e frescas como as que escorrem das cachoeiras? Programa revigorante e refrescante. Em um dia daqueles, ensolarado, com céu azul de brigadeiro, então… torna-se diversão ainda mais saborosa. Imagine todos esse deleite tendo como cenário uma praia deserta, com esparsos coqueiros. Mergulhar nas lagoas dos Lençóis Maranhenses é exatamente assim: um banho fabuloso em águas doces, envolto por areias alvas e reluzentes, sob calorosos raios solares, na imensidão desse tão particular deserto brasileiro – pontilhado de incontáveis oásis. Desfruta-se a sensação de estar em uma praia isolada, com o frescor das águas das montanhas. Beira o inacreditável!

Não é à toa que o lugar tornou-se rapidamente um dos destinos turísticos do país que mais seduzem viajantes, do Brasil e do exterior. Tanta procura, se ainda não chegou a equipar a infra-estrutura turística com hotéis de luxo ou restaurantes estrelados, como grande parte de recantos nordestinos de caráter similar, diversificou as possibilidades de meios de se chegar nessa porção de paraíso. Uma das mais interessantes maneiras de alcançar os Lençóis Maranhenses é através do roteiro que parte de Fortaleza (ou vice-versa) em jipes 4 x 4. Margeando o oceano, rasgando as areias sem-fim, o bravo veículo transforma a viagem em uma inesquecível aventura, que dura entre quatro e sete dias. Outra possibilidade é chegar voando, em um dos aviões que fazem a rota São-Luís Barreirinhas. Um vôo inesquecível.

Tempo de curtir o fim da temporada de cheia

Resta apenas pouco mais de um mês para se curtir essa maravilha natural ainda este ano. Isso porque passado o período das chuvas, de dezembro a julho, as lagoas começam a secar, até sumirem do mapa para reaparecerem a partir do início do ano. Até o final de outubro vale a pena visitar a região. As vantagens de se conhecer os Lençóis agora, na calmaria da baixa temporada, são os preços convidativos e os lugares mais vazios – ideal para quem gosta de economia e sossego, de preferência bem acompanhado para aproveitar as noites estreladas. E, é claro, o nível das águas ainda permitem belas braçadas naquela paisagem que transforma o Maranhão em um dos mais cobiçados destinos brasileiros. De qualquer forma, há as lagoas perenes: a Azul, a Bonita e a do Peixe, propícias à visitação em qualquer época do ano.

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, criado em 1981, possui 1.550 quilômetros quadrados (do tamanho da cidade de São Paulo), formado por dunas e lagoas (temporárias e constantes). As montanhas de areia estendem-se por até 90 quilômetros do litoral maranhense e 50 quilômetros continente adentro. Como todo deserto, os Lençóis Maranhenses, o nosso intrigante deserto brasileiro, também possui seus oásis. Um dos mais famosos localiza-se em Queimado dos Britos – um pequeno povoado rústico no coração dos Lençóis, onde dorme-se em rede, nos casebres dos moradores, sob o sopro da brisa noturna, o brilho das estrelas e, em noite de lua cheia, sob luminosos raios lunares.

A porta de entrada aos Lençóis Maranhenses é Barreirinhas – cidadezinha interiorana, com 40 mil habitantes, a 272 quilômetros de São Luís. Possui a melhor estrutura turística local: pousadas, restaurantes, lojas de suvenir, agências de turismo. Os passeios mais badalados saem de lá.

A visitação às famosas lagoas Azul, Bonita e do Peixe é feito em um dia em carro 4 x 4 – Toyota e Land Rover são as marcas que dominam as areias – transformados em jardineiras para o conforto do turista. Aliás, a melhor maneira de se chegar à região é a bordo de bravos jipes (leia nas páginas 4 e 5 todo o roteiro), que partem do Ceará e chegam aos Lençóis rasgando as areias à beira-mar – cortando paisagens de sonho, alguns dos mais belos visuais do Brasil.

De Barreirinhas até a entrada do parque são 40 minutos de trilha. Os obstáculos do percurso são muitos: córregos a serem atravessados, imensos lamaçais (que muitas vezes atolam mesmo a jardineira, por isso os passeios acontecem em dois carros), e a mata um pouco fechada (cuidado com os galhos salientes que entram pelas laterais!). O melhor do trajeto são os cajueiros. Uma delícia é tirar uma fruta suculenta, madurinha, do pé e comer na hora!

Sete dias emocionantes entre dunas e praias

Partimos para a aventura de Fortaleza, uma das alternativas de ponto de partida ou chegada para a viagem de jipe entre o Maranhão e o Ceará. Diversas operadoras de turismo já oferecem o roteiro. Inclusive, na Praia de Iracema, na capital cearense, há vários veículos estacionados com fotos da viagem instigando os visitantes a participar da aventura. Pela manhã, o nosso condutor, Paulo (um paulistano recém-chegado nas redondezas, empolgado com a nova opção de trabalho ao ar livre), já batia à porta do hotel para começarmos a aventura 4 x 4. Estávamos, eu e uma amiga que me acompanharia, entusiasmadas e curiosas para saber o que nos aguardava. Dali a sete dias estaríamos nos sonhados Lençóis Maranhenses. Até lá, muitas praias, muita areia e muitas histórias para contar.

Primeiro dia

Seguimos pelo asfalto até as famosas dunas de Cumbuco, a 28 quilômetros de Fortaleza. A partir daí, entramos na areia. Já estávamos ansiosas. O condutor diminuiu a pressão dos pneus para facilitar a condução na areia fofa, fez umas piruetas, mostrando destreza na direção, e lá fomos nós em direção ao nosso destino! Pegamos a praia. A suave brisa a acariciar as faces, as pequenas falésias, o visual deslumbrante do mar mergulharam o nosso espírito em paz. Que delícia de programa esse…

Parávamos ao nosso bel-prazer – aliás, este é um dos trunfos desta viagem: ter nas mãos o controle da programação, é só pedir para parar, para dormir ou comer, que o motorista prontamente nos atende. Muita luxúria para pessoas tão comuns: motorista habilitado a trafegar em condições ruins à disposição, praias belíssimas só para nós, o conforto de uma Land Rover… (Isso dentro do quanto pode ser confortável uma Land Rover, famosa por balançar tanto quanto pela capacidade de superar os mais adversos obstáculos). Inacreditável. Parecia um sonho. Ah! E tudo isso a um preço acessível – custa por volta de R$ 1.800 por pessoa, com tudo incluído, inclusive pousada, exceto parte aérea.

Almoçamos na Praia de Taíba, naturalmente um prato simples: peixe frito, arroz, batata frita e salada. Mas a comida bem caseira e o peixe fresquinho enriquecem o prazer à mesa. Preguiça foi seguir viagem, após se fartar de tanto comer e bebericar algumas doses de caipirinha. Deu uma moleza…

À vista do adiantado da hora, demos um esticada até a Barra de Mundaú para apreciá-la antes do pôr-do-sol. Foi o ponto alto do dia – um local de singular beleza misturado ao nosso estado de êxtase – parecíamos duas meninas eufóricas. Rolávamos nas dunas até as margens da praia. Nos sentíamos leves como o vento… Ainda mais sob o efeito de certas substâncias etílicas…

Saímos da areia ao cair da noite e voltamos para o asfalto. Foi uma puxada pesada até Jericoacoara – e também um pouco cansativo. Rodamos cerca de 200 quilômetros à noite. Chegamos em Jeri (como os íntimos chamam a vila) já tarde da noite. Para quem tiver mais tempo, vale a pena dividir esse trajeto em dois dias.

Segundo e terceiro dias

Curtimos Jeri dois dias. Fomos em todos os pontos turísticos badalados: Pedra Furada, Praia do Preá, Lagoa de Jijoca, Praia do Francês etc – tudo com o suporte do Land Rover, pois apenas bugres e veículos 4 x 4 são capazes de chegar à grande maioria dos principais pontos turísticos de Jericoacoara. Ao entardecer, escalamos a duna ao lado da vila para assistir ao concorrido e celebrado pôr-do-sol. Saracoteamos na balada mais efervescente: o bar do forró. Requebramos os quadris sob o céu estrelado até o sol raiar. Foram dias animados e que nos permitiram seguir viagem descansadas… Um outro ponto interessante desse programa, aliás, é justamente poder escolher os locais onde gastaremos mais tempo: nossa opção foi por Jericoacoara, mas poderia ter sido o Delta do Parnaíba ou os Lençóis Maranhenses. Aliás, a quem tiver tempo e dinheiro é recomendável ficar dois dias ao menois em cada um desses lugares.

Quarto dia

No amanhecer do quarto dia, partimos para a nossa próxima parada: o Delta do Parnaíba. Passamos pela formosa praia de Nova Tatajuba (a velha aldeia foi engolida pelas dunas). Atravessamos a Lagoa Grande até chegar em Camocim, onde deixaríamos o litoral e entraríamos para cortar o sertão. Antes disso, nosso condutor, o Josias (a agência revezava os motoristas para não cansá-los), resolveu nos presentear, levando-nos até a Barra dos Remédios, um lugar paradisíaco nos arredores de Camocim. O dourado reluzente das dunas, os rasos bancos de areias para se espraiar e o isolamento do lugar são inebriantes.

Saímos de Camocim em direção a Parnaíba. Esse é o pior trajeto da viagem. Percorrem-se 126 quilômetros de asfalto (a rodovia PI-210) em condições precárias, durante o dia e sob o sol forte do semi-árido. Condições precárias mesmo. Tão ruim o asfalto que dava saudades dos momentos off road da aventura. Se o ar condicionado não estiver funcionando, com o calor escaldante, a Land Rover vira um microondas. No fim da tarde, chegamos em Parnaíba.

Parnaíba é uma cidade pacata do interior, a segunda maior do Piauí, com 130 mil habitantes. Embora desenvolvida, o tempo ali passa devagar. As ruas arborizadas e a leve brisa que sopra do delta amenizam a temperatura de latitude próxima à linha do equador.

Quinto dia

Na manhã seguinte, visitamos a Baía das Canárias, o segundo braço do Delta do Rio Parnaíba. Ao todo são cinco – de leste a oeste: Igaraçu, Canárias, Caju, Melancieira e Tutóia. O passeio pode ser feito de barco (com cerca de 8 horas de duração) ou de lancha. Começa na beira do rio, atravessa mangues e igarapés, até chegar em uma ponta da Ilha dos Poldros – já na desembocadura do Rio Parnaíba no Oceano Atlântico. Essa parada foi especial. Como fomos de lancha, permanecemos algumas horas solitárias naquela vastidão de areias extensas e douradas pelos raios solares, desfrutando a natureza inóspita daquela ponta. O guia foi dar uma voltinha e quase se esqueceu de nos buscar. Nem percebemos a demora. Não estávamos com nenhuma vontade de ir embora daquele pequeno paraíso. O passeio termina nas dunas do Morro Branco para apreciar o belíssimo pôr-do-sol do delta.

Sexto dia

Amanhece o sexto dia. O nosso destino final está mais perto. A ansiedade no ar contrasta com a quietude que vem dos desejos saciados dos últimos dias. Partimos para Caburé, a penúltima parada. Em Paulino Neves, voltamos para a aventura off road pelas areias do litoral nordestino. Já estávamos com saudades do vento afagando nossos rostos. Passamos ao lado dos Pequenos Lençóis. Bonito, mas uma degustação comedida se comparada à fartura dos grandes Lençóis Maranhenses. O auge do dia foram as praias de larga faixa de areia, retas e infinitas do Maranhão. As águas são escuras, mas o ineditismo da paisagem compensa. Um visual diferente das demais praias nordestinas, que nos faz sentir a imensidão do Brasil, de tantas geografias distintas, tantas paisagens peculiares, tantas belezas.

Chegamos ao cair da tarde em Caburé, um pequeno vilarejo de pescadores com charmosas pousadas e chalés. As construções são em cima da areia da praia. O lugar é especial: de um lado, o águas doces do Rio Preguiças; do outro, águas salgadas do Oceano Atlântico – a menos de dez minutos de caminhada de um extremo ao outro. Caburé encontra-se num fina extensão de terra, que termina na Foz do Rio Preguiças. A noite ali é cinematográfica. Ficamos cerca de duas horas sentadas simplesmente a admirar a lua, o movimento das nuvens, suas nuanças prateadas. O tempo podia parar… Acho que parou, mas como não consultei o relógio, sou incapaz de afirmar tal experiência metafísica.

Sétimo dia

Sétimo dia! É hora de subir o Rio Preguiças até Barreirinhas para imergir nas águas doces e cristalinas dos Lençóis Maranhenses. Se aproxima o fim da viagem inesquecível. O cansaço do corpo rapidamente dá lugar à saudade que cresce à medida que São Luís se aproxima. Até a próxima aventura!

Para ver a matéria do Jornal do Brasil, clique no post seguinte.

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